INTRODUÇÃO
O jejum pré-operatório tornou-se mais difundido após 1946, quando Mandelson relacionou alimentação com aspiração durante o parto com anestesia geral. Ele descreveu duas síndromes. A primeira consistia na inalação de alimentos sólidos levando à obstrução das vias respiratórias e morte ou atelectasia maciça. A segunda, que leva o seu nome, decorria da aspiração de conteúdo gástrico líquido quando os reflexos laríngeos estavam deprimidos por anestesia geral. Esses pacientes desenvolviam cianose, taquicardia e dispneia. Mandelson demonstrou em coelhos que o desenvolvimento da síndrome dependia do material aspirado ter um pH ácido.
Os valores críticos para risco de pneumonite aspirativa (síndrome de Mandelson) derivados de modelos animais são volume do conteúdo gástrico maior que 25 ml ou 0,4 ml/kg e pH abaixo de 2,5.
EPIDEMIOLOGIA
A aspiração pulmonar é um evento perioperatório pouco frequente (um caso em 2.000-3.000 pacientes, crianças e adultos, submetidos a anestesia geral). A freqüência varia dramaticamente entre os pacientes. Assim, os idosos, os pacientes com estado físico ASA de classificação mais alta, as gestantes, os portadores de refluxo gastroesofágico e os pacientes submetidos à cirurgia de urgência apresentam maior risco de aspiração.
Aproximadamente metade dos pacientes que apresentam aspiração do conteúdo gástrico durante o período perioperatório desenvolvem complicações pulmonares significativas. A mortalidade é de, aproximadamente, 5%, mais frequente em adultos e menos em crianças.
JEJUM PRÉ-OPERATÓRIO
Apesar da baixa frequência, o impacto no indivíduo pode ser devastador pela elevada incidência de complicações pulmonares e pelos elevados custos associados ao tratamento desses indivíduos. Baseada em revisões recentes na literatura, a recomendação “nada por boca após meia noite” parece não ter mais sentido, exceto para leite e alimentos sólidos, já que aumenta o risco de desidratação e hipoglicemia, além do desconforto, principalmente em crianças, sem necessariamente diminuir o risco de aspiração. Com o propósito de aumentar a qualidade e eficiência na abordagem dos pacientes no pré-operatório, bem como reduzir a severidade das complicações relacionadas com a aspiração pulmonar do conteúdo gástrico, a American Society of Anesthesiologists desenvolveu a “Task Force on Preoperative Fasting”, um conjunto de profissionais da área de anestesiologia, cirurgia e gastroenterologia que, após revisão extensa de publicações relacionadas ao assunto, concluíram um guia prático para jejum pré-operatório. Dessa maneira, 4 o período de jejum recomendado seria:
- Líquidos claros (água, chá, café, suco de fruta sem polpa, todos sem álcool e com pouco açúcar). Jejum de duas horas para todas as idades.
- Leite materno: jejum de quatro horas para recém- nascidos e lactentes.
- Dieta leve (chá e torradas) e leite não materno: aceita-se até seis horas de jejum para crianças e adultos.
- Fórmula infantil: jejum de seis horas para recém-nascidos e lactentes.
- Sólidos: jejum de oito horas para crianças e adultos.
MATERIAL INGERIDO | JEJUM MÍNIMO (H) |
Líquidos claros | 2 |
Leite materno | 4 |
Fórmula infantil | 4 |
Leite não materno | 6 |
Dieta leve | 6 |
Este guia vale para pacientes sem risco aumentado de aspiração pulmonar como obesidade gestação, trauma, refluxo gastroesofágico, diabetes. É bom lembrar que dor, ansiedade, álcool e drogas (como opioides e benzodiazepínicos) retardam o esvaziamento gástrico. Nesses casos, outras medidas – que fogem do foco desta discussão – devem ser tomadas durante a indução e intubação do paciente, como pressão aplicada sobre a cartilagem crinoide (Manobra de Sellick), posicionamento adequado, pré-oxigenação sem ventilação com pressão positiva e aspiração de sonda nasogástrica. Em alguns casos, a intubação com o paciente acordado é a melhor opção. Medicações como bloqueadores H, inibidores da bomba de prótons, antiácidos não perticulados e metoclopramida reduzem o volume e/ou a acidez gástrica, mas não existem dados suficientes que comprovem diminuição do risco de aspiração pulmonar com o uso rotineiro dessas drogas. Sua indicação está reservada para pacientes com maior risco de aspiração.
CONCLUSÃO
Apesar da baixa incidência, a aspiração pulmonar do conteúdo gástrico pode ter consequências devastadoras no indivíduo. Medidas preventivas devem ser sempre adotadas. Guias de orientação para o jejum pré-operatório têm recentemente sugerido períodos menores de jejum sem aumentar o risco de aspiração. O guia criado pela American Society of Anesthesiologists, após extensa revisão da literatura, talvez seja um meio de unificar as diferentes condutas adotadas até agora com relação ao jejum pré-operatório.